sábado, 25 de dezembro de 2010

aromática

Entrou pensando ser inodora no ateliê. Examinou os olhos escuros do perfumista, assim como as solas gastas de seus sapatos. Queria encomendar um perfume. Sorriu ao perfumista, então.
— Cítrico, floral, seco, frutado? Que tipo de perfume? — indagou o perfumista.
— Quero o meu perfume — respondeu-lhe a magrela.
Perguntou-se o perfumista como poderia saber qual era o seu perfume.
— Conheça-me — sugeriu a moça. Afinal, ele era profissional. Não renomado, mas profissional.
O perfumista considerou a sugestão. Convidou a moça a conhecer melhor o ateliê. Mostrou-lhe óleos essenciais de casca de pomelo, assim como as essências de carvalho, as orientais de baunilha, as de tabaco, de manjericão, noz moscada, mandarina, musgo, estragão, bergamota, lavanda, vetiver, ylang ylang, e mesmo as essências de pimenta. Chegou a explicar-lhe, sucintamente, a respeito das Notas de Saída, de Coração e de Fundo enquanto a moça sorria-lhe discretamente, lhe lambendo o rosto com os olhos dizendo-lhe que gostava de Cappuccino e de noites nubladas. Ficou então decidido que ela voltasse em dois dias.
Voltou.
— Está pronto? — ela indagou timidamente. O perfumista trazia o frasco nas mãos. Os olhos da garota brilharam assim que enxergaram o pequeno vidrinho, mas, quando avançou os dedos em direção ao líquido, o perfumista a deteve. Teria de recomeçar o trabalho.
— Perdão — ele disse. — Enganei-me. Poderia conceber-me mais dois dias?
Ele havia notado uma pequena pinta na base daquele pescoço esguio e que as botinas que a moça usava estavam sujas de lama. Enxergou também um rastro de amoras frescas escorrendo daqueles lábios pequenos. A mocinha, levemente decepcionada, mas com a certeza de que um segundo perfume certamente sairia melhor que um primeiro, concebeu os dias ao perfumista.
Logo ele notaria a pequena listra verde que atravessava um de seus olhos castanhos, assim como o isqueiro de prata que ela carregava em uma das mãos, os joelhos sujos de graxa, as unhas roídas, as pequenas pétalas de flores de ipê que povoavam seus cabelos, o livro de Balzac sob o braço e uma pequena mancha de café em sua bata leve. Recomeçaria o trabalho pelo menos cinco vezes e a moça passaria a permanecer por mais tempo no ateliê e a debruçar-se sobre o balcão falando do cãozinho que acabara de adotar e das primas que voltaram da Holanda cheirando a erva; até que um dia debruçar-se-ia sobre ele, que diria extasiado ao pé de seu ouvido que ela não carecia de perfume algum.

Um comentário:

  1. Desculpe-me pelo "gostei/ não-gostei" que tem sido minha única análise(sic). É mais uma incapacidade adquirida recentemente (a de me aprofundar nos comentários do que leio ou assisto).
    Dito isso, registro que gostei muito desse texto, sobretudo do final.
    Dou três estrelinhas (só porque você não aceitaria quatro).

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