quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

1

Era um cara soturno. Disso eu tive certeza na primeira vez em que pus os olhos nele.
Chovia — se não chovesse não seria um bom começo, mas era pouco; só o que dava para rechear as poças que ladeavam os semáforos. Ele carregava uma garrafa num saco de papel que aos poucos se desfazia — coisa que eu só via em filmes — e tentava proteger seus cigarros que se iam, um seguido do outro, num vício tenaz, sob a cobertura de uma tasca qualquer. Por esse motivo, percebi, alguém gritava com ele (naquela cidade, fora recentemente proibido por lei fumar em lugares  públicos, sob pena de multa, e eu ainda estava tentando descobrir o endereço do palerma que havia criado aquela norma); um trabalhador o empurrava para a chuva arruinando a brasa acesa, deixando claro que não se podia fumar ali. O soturno homem feito, depois de muita teimosia, desistiu; puxou uma cadeira para o meio da calçada e, posicionando-a de frente para os carros passantes com uma irritação não tão impressionante, resignada e impotente, sentou-se, e lá permaneceu com sua garrafa — que já não mais possuía o saco de papel — persistindo nos cigarros úmidos.
Ele notou meu olhar, porém não se ocupou dele. Simplesmente ignorou-me, assim como eu esperava — nunca vi, encarando um espelho, algo que engodasse interesse por menos tempo. Entretanto, lá fiquei, encarando-o. Ele a ignorar-me, eu a ignorar a chuva, a chuva a ignorá-lo, até que se chegasse à última gota do que eu pensava ser vinho. Barato. Quase-vinagre.
Quando ele enfim cedeu a cadeira ao relento, seguiu seu caminho acariciando a barba comprida. Eu segui o meu, acariciando o vento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário