domingo, 21 de novembro de 2010

   MACÁRIO — Eis aí o resultado das viagens. Um burro frouxo, uma garrafa vazia. Conhaque! És um belo companheiro de viagem. É silencioso como um vigário em caminho, mas no silêncio que inspiras, com nas noites de luar, ergue-se às vezes um canto misterioso que enleva! Conhaque! Não te ama quem não te entende! Não te amam essas bocas femininas acostumadas ao mel enjoado da vida, que não anseiam prazeres desconhecidos, sensações mais fortes. E eis-te aí vazia, minha garrafa! Vazia como uma mulher bela que morreu! Hei de fazer-te uma nênia.
   E não ter nenhum gole de vinho! Quando não há o amor, há o vinho; quando não há o vinho, há o fumo; e quando, não há amor, nem vinho, nem fumo, há o spleen. O spleen encarnado na sua forma mais lúgubre naquela velha taverneira repassada de aguardente que tresanda.

(...)

   O DESCONHECIDO — Fumais?

   MACÁRIO — Perguntai de que serve o tinteiro sem tinta, a viola sem cordas, o copo sem vinho, a noite sem mulher... não me pergunte se fumo!


Macário, Álvares de Azevedo

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